Maya era toda o riso sem-vergonha que
se estampava em seu rosto, achando graça em minha tortura. Tive vontade de
apertá-la em um abraço forte, possessivo, e nunca mais soltar. Aquela não era a
primeira vez que tal vontade me invadia. Eu sempre fantasiei com a suavidade de
sua pele, o sabor de seus lábios e o cheiro de seu corpo, sem, ao menos,
precisar tocá-la.
Quando a via, ao longe, logo eu
sentia meu coração descompassado. Nos dias em que ela estava acompanhada, eu
odiava seus amigos um por um, ansiando por estar tão perto dela quanto eles,
ou, quem sabe, estar ainda mais perto dela do que eles. Invejei o toque, as
risadas, os gestos que eles podiam apreciar de perto. Às vezes também odiava
ela, por parecer tão inconsciente do visível fascínio que exercia sobre os
outros. Maya me lembrava uma escultura de Camille Claudel, onde ela havia
exposto todo o seu louco amor-e-ódio por Rodin. Eu adoro contrastes. E
Maya era a visão, a personificação de um contraste. Contraste que eu amava.
Então eu me fartava em olhá-la. Sempre gostei de olhá-la. Inteira. Na maioria
das vezes, eram olhares para partes isoladas de seu corpo: ora os olhos, ora o
queixo, ora o sorriso. Sempre amei seu sorriso e não canso de dizer. Seu
sorriso era como música, tamanha a perfeição. Aliás, seu corpo inteiro era
música, daquelas que cantam, suavemente, as sereias. E eu tinha vontade de
cantá-la toda.
A primeira conversa foi como um
reencontro. Um reencontro comigo mesma, a ressurreição de um sentimento que há
muito eu não sentia. Absorvi cada nota da canção que saía de seus lábios e
guardei-as sob sete cadeados. Busquei, desesperada, por conhecer cada
referência, cada detalhe de sua intimidade. Música, filmes, literatura,
gastronomia... Não tínhamos muito em comum. Mas, mesmo assim, eu quis me
embeber de tudo o que lhe dizia respeito. Então eu me embriaguei toda e somente
dela.
— Já teve vontade de passar o dia
inteiro falando com alguém? – perguntou ela, indiferente, certa vez
— Acho que já – hesitei – Por quê?
— Porque especialmente com você, eu
sinto vontade de fazer isso!
“E é recíproco”, pensei, sem ter coragem de dizer.
Maya, de alguma forma, me intrigava.
Parecia não ter medo de expressar, sempre demonstrou ser bastante decidida,
fazendo com que a minha vontade dela se tornasse cada vez mais concreta. Nunca
gostei de ser bajulada, adorada. Paradoxalmente a minha preferência era por
pessoas provocantes, que me enfrentavam, sem medo de discordar quando
necessário. Maya era a personificação de tal característica. Seu temperamento
era de uma rudeza encantadora.
— Já foi em micareta? –
perguntou ela
— Não – respondi – Isso é coisa de
piriguete – provoquei
— Bem a tua cara, então! – rebateu,
com escarne
Sempre achei graça em suas tiradas.
De alguma forma, elas me pareciam... Excitantes.
Apesar da vontade de tê-la por
inteiro, de todas as formas possíveis, eu me contentava, apenas, com a sua
presença. Até o dia em que eu senti o sabor de seus lábios... E foi em um dia
chuvoso que tal vício se enraizou.
Estávamos em frente ao condomínio
quando as primeiras gotas começaram a cair. Só entramos no prédio após eu
conseguir convencê-la de desistir da idéia de tomar banho de chuva.
— Carol, você tem medo de água –
acusou, rindo, enquanto entrávamos no elevador – Você é muito frouxa!
Fingindo um olhar zangado, eu
refutei:
— Já disse que não gosto que me
chamem assim. Deixa eu te pegar de jeito para você ver quem é a frouxa!
— Hum, ameaças – debochou ela
— Falo sério. – provoquei
— Então prove!
O tom de sua voz soou quase como uma
intimação, apesar das risadas. Primeiro olhei-a, assustada. Prendi-me ao azul
de seus olhos petulantes e me rendi (para variar). Uma rendição diferente, onde
quem subjugava era eu mesma, a rendida.
Puxei-a pela cintura com uma das mãos
e uni meus lábios aos seus. Se ela estava só brincando, bem, então a
brincadeira havia chegado ao fim. Permaneci de olhos abertos, com medo de sua
reação. Seus olhos fecharam quase que imediatamente e sua boca correspondeu,
tão suave quanto a minha. Tive medo de continuar e quase me arrependi de tal
atitude, chegando a pensar em afastá-la. Porém tal pensamento pareceu-me
ridículo quando ela enlaçou meu pescoço com os braços e aproximou, ainda mais,
o seu corpo do meu.
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