Olhei-a com ar divertido, achando
graça em sua revolta. Tentei puxá-la pela cintura, mas ela se esquivou e saiu
andando, enquanto dizia:
— Pois fique em casa sozinha, porque
eu estou indo me trocar e quero ver quem é que vai me impedir – esbravejou – E
você que tente trancar a porta para ver se eu não grito, na janela, que fui
seqüestrada!
O sorriso desapareceu de minha
fronte. Eu a conhecia o suficiente para saber que ela seria capaz de fazer o
que havia ameaçado.
Por volta de uma hora depois,
estávamos entrando na boate, enquanto eu dava à Maya todas as recomendações:
— Se você ver alguém estranho, não
fique olhando muito. Também não olhe muito se ver alguém bonito, porque além de
apanhar do acompanhante, vai apanhar de mim. Em hipótese alguma retribua o
sorriso de uma mulher e, prometa-me, nunca vá ao banheiro quando estiver
desacompanhada. Aquilo é um covil!
Maya ouvia tudo, achando muita graça
em minha preocupação. Com muito esforço, fiz com que ela vestisse uma calça.
Ela gostava de shorts. Demais até, para o meu gosto. Mas mantive minha posição
de namorada ciumenta e, pelo menos isso, eu consegui que ela fizesse.
Assim que entramos no
estabelecimento, ela olhou tudo ao seu redor, curiosa. Eu a segurava pela
cintura de forma protetora, como se temesse que alguém, sequer, a tocasse. Fui
abrindo caminho até chegarmos à mesa que Fernanda havia reservado. Ela não precisou
abrir a boca para eu adivinhar que estava prestes a me debochar.
— Ora, ora, ora. Eu que pensava que
nem o diabo conseguiria fazer você trazer uma namorada para este antro de
perdições! - ironizou
Fuzilei-a com o olhar e Maya,
praticamente cúmplice de minha amiga, sorriu de forma sarcástica.
— Fazer o que? Eu sou irresistível! –
brincou
— Sim, você é! Portanto trate de se
comportar. – voltei a alertá-la
Ignorei a expressão irônica de
Fernanda e sentei no sofá, fazendo com que Maya ficasse por entre nós duas, é
claro. Não que Fernanda fosse tão confiável assim... Enfim.
Conversamos por um bom tempo,
trocando impressões sobre os mais diversos assuntos (fúteis) do mundo, até que
as duas se perderam por entre seus papinhos de “garotinhas fitness” (como Maya
dizia). Aquilo, para mim, sedentária assumida, era um terror. Se eu ouvisse a
palavra “integral” mais uma vez, sairia correndo dali.
— Também adoro sanduíche de pão
integral com atum. – disse Fernanda
Pronto. Agora eu tinha que sair
correndo.
— Amor, eu vou buscar algo para
beber, quer alguma coisa? – perguntei
Ela olhou-me, sorrindo, e negou,
mostrando o copo cheio.
— Já volto. Comporte-se. – preveni
Senti uma pontada de insegurança ao
ter que deixá-la sozinha e quase pedi para que ela fosse comigo, mas resolvi
não ser tão louca. “Estou preocupada à toa... Para variar”, pensei,
rindo de mim mesma.
A fila do caixa estava tão grande que
eu demorei, pelo menos, 15 minutos. Eu odeio filas. Sem contar que 15 minutos
longe dela, em um lugar como aquele, era terrível para mim. Não que eu seja
grudenta. Na verdade, eu sou grudenta, mas de um grude saudável, já que sei me
controlar. Mas ela me descontrolava e esse era o problema. Meu pensamento dava
tantas voltas que eu me proibi de pensar e fui em direção à mesa.
Senti uma pontada na espinha quando
vi a moça deslumbrante que estava sentada ao lado de Maya. Era morena, com
olhos cor de âmbar e ar ferino. Ela levantou do sofá para se apresentar:
— Gisela.
Ignorei sua mão estendida. Olhei para
Fernanda, que não sabia se ria ou se ficava séria. Empurrei, delicadamente, a
moça para o lado e sentei-me ao lado de Maya, vermelha de raiva. A moça me
olhou com um risinho sarcástico no rosto e sentou ao lado de Fernanda.
— Essa é minha amiga mal-educada
Carol – disse Fernanda – Gisela é minha prima – informou-me
Gisela riu.
Foi ódio à primeira vista.
Meu braço estava em volta de sua
cintura, meu punho fechado com força, a ponto de fazer com que a palma de minha
mão começasse a suar. Maya parecia imune ao meu ciúme, mas eu tinha certeza de
que Gisela o percebia bem.
Ela falava sobre algo muito
entediante, assim como ela. Mentira. Gisela não era enfadonha. Sabia conversar
muito bem e cada suspirar seu parecia possuir uma espécie de encanto. Se não
fosse tão sensual, talvez, eu não me sentiria tão ameaçada. Seu vestido era tão
curto que eu me perguntava se ele era uma blusa e se ela estava vestindo um
short por baixo. As pernas eram muito bem torneadas, fortes. Se eu não
estivesse tão intensamente colérica, provavelmente estaria apreciando suas
cruzadas de pernas. Os seios não eram grandes, mas eram interessantes. Pareciam
encaixar perfeitamente em seu corpo. Aliás, seu corpo inteiro parecia estar em
perfeita sintonia, dando-me a impressão de que nada contribuía para que minha
autoconfiança se expandisse.
Agarrei-me à possibilidade de minha
namorada odiar o sotaque porto alegrense de Gisela, ou, quem sabe, não gostar
de seu perfume, ou odiar qualquer outra coisa mínima. Contudo, no fundo eu
sabia que única pessoa com quem ela gostava de implicar por motivos bobos era
eu. Não que eu achasse isso ruim, muito pelo contrário, sempre fui meio viciada
em suas implicâncias, afinal que pessoa no mundo, além de meu amor, conseguia
me perturbar e se manter adoravelmente linda? Ninguém, ninguém. “Se Maya
odiasse, só um pouquinho, algo em Gisela, eu já me sentiria menos desconfiada,
mais feliz, menos enraivecida e até mais bonita! Eu poderia andar sobre as
águas e...”.
— Vocês não dançam? – perguntou
Gisela, interrompendo meus devaneios
Permaneci quieta, encarando-a. Maya,
irritantemente simpática, respondeu:
— Sim! Mas não agora.
— Por quê?
Irritada com a insistência,
interrompi:
— Porque eu não quero! – “...porra!”
Tentando me provocar, Gisela voltou
os olhos para Maya.
— Caso você queira dançar, eu estou
bem disposta.
Com os olhos arregalados, furiosa,
troquei olhares com minha namorada, como se dissesse: “Ei, acorda, ela está
esperando você dizer o “Não!””. Em resposta, seu olhar dizia: “Eu não
sei o que falar!”, deixando-me decepcionada.
— Quer ir, vai. – resmunguei
Maya olhou-me confusa, fazendo sinal
negativo com a cabeça, e disse:
— Não, quero ficar aqui com você.
— É, estou vendo.
Levantei-me e saí andando, deixando-a
para trás.
Durante o caminho para o
estacionamento, senti um mal-estar, como se me tivessem dado uma surra. Parei e
me apoiei em uma parede, respirei fundo. Sim, eu havia exagerado (como sempre).
Não, ela não merecia ser deixada para trás. Mas eu não conseguia entender sua
hesitação em negar um pedido tão óbvio. Aquilo me doía como se fosse uma
traição carnal. Era-me inaceitável a idéia de dividi-la com outra pessoa. Eu a
precisava inteira.
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