Larissa tinha os olhos inchados havia chorado por horas, aproximou-se de Alicia de mansinho, a lourinha não conseguia encará-la sentia uma vergonha tomando seu ser, um nojo de si mesma, esfregou a pele durantes longos minutos como se quisesse se limpar sua alma.
- Eu não... – Larissa não conseguia falar, abraçou Alicia com carinho.
Não houve conversa naquele momento, palavras ali era inapropriada, a loirinha apenas sentou-se no colchão abraçando as próprias pernas, chorando em silêncio. A morena até que tentou se aproximar, mas a lourinha apenas pediu para ela se afastar. Assim ela atendeu.
Enquanto isso na sala ocorre uma discussão.
- O que vamos fazer? – indagou Beto. As coisas estavam se complicando.
- Não sei. – disse apreensivo.
- Raul. – o homem pegou no ombro do amigo – vamos acabar logo com essas vadias. Os canas estão chegando cada vez mais perto.
- Você não entende - Raul encarou os olhos do amigo – ela me tirou meu pai, meu pai – bateu no próprio peito – tenho que tirar o dela também, dói demais irmão, dói demais.
Beto parecia impaciente, essa obsessão de Raul estava pondo em risco não só a liberdade mais os negócios também, ultimamente ele andava fazendo besteira. Precisava acabar logo com aquilo para que ele voltasse a ser o homem que era.
- Se o quer tanto, eu o pego para você.
Os dois se abraçaram, o que Raul e Beto mais prezavam na vida era a palavra de um homem. Aquilo valia mais do que qualquer coisa. Seu pai sempre lhe ensinou que um homem de verdade era um homem que honrava sua palavra. Alicia também tinha essa consciência, além do que, Beto idolatrava Raul, faria qualquer coisa para ver o homem feliz.
Palavra firmada Raul volta a Recife mais calmo. Tinha certeza que em breve acabaria com aquilo de uma vez, e por fim aquela dor que sentia evaporaria.
- Preciso levar comida para ela – Alicia pediu.
Beto se quer olhou.
- Ela precisa se alimentar. – insistiu.
- Quero você longe dela.
O homem se levantou estava com a cara de poucos amigos, pegou o prato e a garrafa de água, caminhou até a porta do quarto, Alicia estava logo atrás queria vê-la saber se estava bem. Ao dá um passo para entrar no quarto sentiu seu corpo sendo empurrado.
- Fique ai! – ordenou o homem.
Ele olhou para Rodrigo e deu um sorriso bastante duvidoso, à idéia de trazê-lo foi dele, havia outros serviços que ele mandaria o rapaz fazer.
- Abra.
O menino destrancou a porta, Larissa estava sentada encostada na parede olhava para porta, atrás do homem pode ver a silhueta de Alicia, seu coração acelerava.
- Toma vagabunda – disse jogando o prato próximo à mulher derrubando a comida no chão, depois jogou a garrafa com água. – sua hora está chegando – disse o homem voltando à porta e a trancando.
Larissa estava com muita fome, apesar de esta num cativeiro Alicia sempre caprichava no tempero da sua comida. Olhava para comida com cobiça, mas ignorou a fome, seu estômago deu uma reviravolta ao ver os ratos se aproximando perto da comida espalhada pelo chão. Larissa pegou apenas a garrafinha de água e bebeu até a última gota. Logo em seguida afastou a comida para mais distante do colchão, olhou em sua volta, sentiu um vazio tão grande, perdera a conta de quantos dias estava ali, abraçou-se nas próprias pernas, fez uma oração silenciosa, sua fé estava se esgotando. Adormeceu.
Alicia caminhava de um lado para o outro no quarto, em suas mãos estava uma chave. Chave essa que havia roubado do casaco de Beto. Escutou um cochicho na cozinha, caminhou sem fazer barulho, olhou para porta do quarto Rodrigo havia saído do seu posto. O rapaz olhou assustado para Alicia. Ela percebeu que Beto roncava feito um porco no sofá.
- Rodrigo precisa me deixar vê-la.
- Não posso senhora, da outra vez...
- Prometo que não vou demorar. – insistia.
- Dona Ruth.
- Dois minutos, por favor, ele nem vai perceber.
O menino olhou impaciente para a sala, Beto parecia dormir um sono pesado, mesmo com medo acabou cedendo.
- Vá logo se não ele mata nos dois.
- Obrigado Rodrigo.
Antes de entrar Alicia correu até a cozinha pegou uns sanduíches e duas garrafas de água mineral que havia escondido, o menino abriu a porta. Ela entrou apressada.
- Larissa, Larissa. – chamava.
A mulher olhou ainda sonolenta.
- Toma, esconda isso. Vou te tirar daqui, mas preciso que você agüente firme.
- Você vai me libertar... – falou com um fio de esperança.
- Nós duas juntas não temos chance, escute bem, tive uma idéia que pode salva-la o tempo está acabando.
Alicia tinha pressa, abraçou a morena a deixando sem entender nada, seus olhos se encontravam sem hesitar a lourinha beijou a morena com carinho, o beijo foi correspondido, um beijo terno com sabor de despedida.
- Confia em mim. – pediu – te amo. – sussurrou no ouvido da mulher, depois se levantou e rapidamente saiu do quarto.
- Me tirem daqui. Tirem-me daqui. – uma voz anasalada atravessou a porta do quarto como uma serra.
Rodrigo arregalou os olhos, engoliu em seco, Alicia saiu do local antes que Beto aparecesse.
Larissa continuava a gritar pedindo para tirá-la dali. Seus gritos acordaram Beto que se levantou de sobre salto, caminhou rapidamente ainda coçando os olhos.
- Cala boca piranha! – gritou. Dando murros na porta.
Larissa olhou assustada para porta, deu alguns passos para trás o medo a fez recuar até o canto onde estava seu colchão. Houve um silêncio avassalador engoliu o choro, deitou-se se encolhendo na cama como se fosse um caramujo, seus pensamentos ziguezagueava.
Do outro lado da porta ele foi até a cozinha, olhou de relance o corredor, olhou para Rodrigo com mais atenção, aproximou-se.
- Anda malhando moleque? – falou com um sorriso matreiro.
Rodrigo confuso parecia não ter compreendido direito a pergunta.
- Como senhor?
Beto não perdeu tempo, chegou mais perto e sem menor constrangimento pegou nas intimidades do rapaz, que olhou assustado.
- Hum nada mal hein! – disse tirando o órgão genital do rapaz para fora começando a estimulá-lo.
O menino ficou sem saber o que fazer, embora estivesse gostando daquele estimulo.
- Te dou cem paus para você me comer. – sussurrou Beto, com a cara cheia de desejo.
Rodrigo não pensou duas vezes, seguiu o homem até os fundos da casa.
Alicia não podia acreditar na sorte que o destino estava lhe oferecendo, observava tudo pela brecha da porta, viu os dois homens sumirem. Cautelosamente foi até a sala, a porta da frente estava destrancada, abriu. Um ruído estrondeante pos em risco sua fuga, mas parecia que dos dois estavam ocupados demais para terem percebido. Olhou diversas vezes para o corredor que dava acesso ao quarto onde Larissa estava.
- Nos duas não teremos chance! – repetiu para si mesma, pegou o capacete que estava perto do sofá e saiu em disparada.
Procurou pela moto de Beto. A viu estacionada do lado da casa. Com medo de fazer barulho ela empurrou até chegar à rua, subiu na moto, deu partida, com seu corpo tremulo, o coração galopando estava tomada pelo medo, sabia que estava cometendo uma loucura. Arriscou-se não sabia para onde ir apenas acelerava penetrando a escuridão, em meia hora chegou a Surubim. Agora mais situada sabia onde estava, resolveu pegar a BR 232, precisava se entregar à polícia salvaria Larissa e acabaria com aquilo tudo. Por um momento era o que Alicia realmente queria fazer, mas foi impedida, à medida que se distanciava mais daquele cativeiro maior era o temor que tomava conta do seu corpo. Parou num posto de gasolina tentou não chamar atenção tinha muitos caminhoneiros ali, foi até o banheiro, lavou o rosto, se olhava no espelho, senti um aperto imenso no peito. Foi até um orelhão, discou. No terceiro toque uma voz falou.
- Emergência.
- Quero dá a localização de uma mulher seqüestrada, ela é promotora de justiça, - falou rapidamente tentando disfarça a voz.
- Pode se identificar? – perguntou a telefonista.
- A senhora não me entendeu a mulher que está passando na televisão, está mantida em cativeiro.
- Estou entendendo senhora. – disse a voz na outra linha parecendo não dá muita importância à denúncia.
- Estrada do arraial, surubim, interior de Santa Maria, há dois homens armados. Ande logo ela não tem muito tempo.
Alertou antes de colocar o telefone no gancho, Alicia tentou se equilibrar suas pernas tremia tanto a ponto de quase fazê-la cair. Olhou para os lados não viu ninguém a 300 metros dali no restaurante parou uma viatura da polícia rodoviária, seu coração acelerava, voltou até o banheiro onde ficou trancada. Alicia entrou em pânico, sentia tanto medo que chegava sufocar. Desabou no choro. Sua mente fervilhava, não sabia o que fazer, seu choro abafado foi interrompido por um frentista.
- Perdoa filho... Perdoa... – pedia baixinho.
Sabia que aquela ousadia podia ter colocado a vida do seu filho em risco, Raul não hesitaria em tirar a vida daquela criança.
O homem foi movido pela curiosidade avistou a mulher entrar no banheiro fazia cerca de vinte minutos e ela não tinha retornado, de início pensou ser alguma viciada ou prostituta que estivesse usando o banheiro para fazer coisas ilícitas.
- Tem alguém ai? – indagou o rapaz dando leves batidas na porta.
Silêncio absoluto. Alicia levantou-se da privada, sentiu um medo percorrendo suas veias. Deu passos para trás se encostando à parede.
- Tem alguém ai? – repetiu o homem dando batidas mais forte.
Alicia pensou melhor.
- Já estou saindo. – disse com uma voz mais forte. Destrancando a porta.
- Desculpe. – falou o rapaz.
Ela não respondeu, saiu sem olhar para trás. Chegou até a moto pegou o capacete não sabia o que fazer olhou para o céu como se pedisse uma luz, rezou para que logo a polícia encontrasse o cativeiro da morena, ao menos logo ela estaria em segurança.
Tomou uma atitude, precisava ao menos tentar, subiu na moto com um destino a seguir, a noite fria congelava suas entranhas. O pensamento agora tinha um novo protagonista o pequeno Vinicius, quanto mais pensava mais angustiada ficava. Chegou à cidade de Gravatá no meio da madrugada, pegou a estrada de barro, seguiu até Mandacaru, o percurso durou cerca de 30 minutos, a estrada esburacada dificultava o trajeto. Parou em frente à igreja. Tirou o capacete a cidade estava deserta, olhou atentamente o pequeno vilarejo, mesmo depois de anos nada parecia ter mudado, a cidade parecia uma cidade cenográfica de filme sobre o sertão. Tinha um pequeno centro comercial, uma delegacia, um posto de saúde, um cemitério e uma igreja que ficava no coração da cidade. Alicia ligou a moto, a casa da avó não ficava muito longe dali. Subiu uma ladeira do lado esquerdo da padaria, ao longe já pôde ver a pequena casa de cerca branca, estacionou a moto, abriu o portão de madeira que fez um rangido ensurdecedor. Foi até o fundo da casa onde deixou a moto. Um cachorro começou a latir do lado de dentro. A cena se repetiu, em sua vida. Alicia olhou tristonhamente para porta, uma lembrança veio a sua mente, do mesmo jeito, nas mesmas circunstancias, voltou a procurar sua avó após anos, fugida, sem nada apenas com enormes pesos nos ombros e o medo eminente.
- Vó! – chamou.
Os latidos tornaram-se mais fortes. A lourinha baixou a cabeça, não conseguia expressar o que estava sentindo. Voltou a chamar, agora com a voz mais forte.- Vó, vó!
Dona Marli dormia tranqüila, porém com sono muito leve se acordou com os latidos do cachorro, levantou-se e foi até o quarto do bisneto, o menino dormia tranquilamente. Olhando para ele lembrou-se da sua mãe, por onde andava seu anjinho. A saudade apertou no peito, tantas vezes tentou entrar em contato com ela, mas segundo sua filha ela havia sumido, mesmo assim mensalmente o dinheiro era depositado na conta de uma sobrinha dela. Dona Marli estava velha, andava com a saúde fraca, temia pelo futuro do bisneto. Seus pensamentos foram interrompidos com os latidos do cachorro. Pingo apareceu no quarto latindo incansavelmente.
- Calado, diacho! – ordenou a mulher.
Mas o cachorro não se calou, foi quando a mulher escutou uma voz lhe chamando, caminhou até a sala.
- Vó! Dona Marli! – chamava.
Mais uma vez dona Marli não acreditou no que ouvia, pegou a chave, seu coração batia forte, tinha reconhecido àquela voz, assim que abriu a porta viu mais uma vez Alicia, a cena parecia se repetir, a neta aparecendo no meio da madrugada. Alicia entrou rapidamente, sua angustia a sufocava.
- Cadê ele? Cadê meu filho. Não houve tempo para cumprimentos, a mulher parecia aflita demais, não escutou a vó.
Saiu invadindo os cômodos da casa, um a um, até parar numa porta com adesivos de desenhos animados, seu coração estava tão acelerado que parecia que tinham acabado de aplicar uma injeção de adrenalina. Alicia tinha pressa correu até a cama do menino, o abraçou com força, acordando o garoto. Tinha um choro pesado, abraçava o filho, com tanta força que chegava o machucar, o menino abriu um maior berreiro diante da desconhecida que o sufocava. No quarto só se escutava os choros do menino assustado e o choro da mãe angustiada.
- Minha filha, calma.
Dona Marli nunca perdera sua serenidade mesmo nas situações mais criticas, tocou o ombro da neta, com a voz tranqüila pediu para soltar o menino, no início Alicia não a escutava, mais aos poucos foi caindo em si. Seus braços foram se soltando, até que a senhora pegou o menino no colo, Vinicius era pesado dificultava o equilíbrio da senhora, ela foi até seu quarto, ele ainda chorava assustado, Alicia permaneceu sentada na cama, com o rosto voltado para os lençóis chorava copiosamente. Havia uma angustia dentro de si. Passou cerca de uma hora naquela posição, a velha senhora apareceu, tinha conseguido acalmar o bisneto fazendo com que ele voltasse a dormir. Olhou para o estado da neta, uma tristeza se estalou em seu peito, sentou-se ao seu lado.
- Vem cá vem!
Alicia tinha os olhos inchados já amanhecia se alinhou nos braços da avó. Nada mais importava, apenas permaneceu ali, chorou até pegar no sono.
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